sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Fazer acordo de dívida sem a presença do fiador, ainda que por valor menor, pode excluí-lo como garantidor da dívida.



Você é credor de uma dívida em que há um fiador garantindo-a? Cuidado, você pode perder esta garantia sem querer.

É comum ver em contratos de aluguel, notas promissórias e outras relações de crédito o credor exigir que o devedor apresente um fiador a fim de conferir ao contrato uma melhor garantia, fazendo figurar no título a pessoa que se dispôs a firmá-lo com o compromisso de ser fiador da dívida.

Ocorre que, por vezes, o devedor principal torna-se inadimplente, forçando o credor a buscar meios de satisfazer o crédito, buscando maneiras administrativas e judiciais de fazer um novo acordo, um novo parcelamento. Procuram, inclusive, o Judiciário por meio dos Juizados Especiais, o qual permite que o cidadão ingresse com ações de até 20 salários mínimos sem o intermédio de advogados. E é exatamente aí que vive o perigo. Por exemplo, um caso ocorrido na comarca de Uberlândia – MG, em que o cidadão leigo, credor de um contrato de aluguel de uma sala comercial em que figurava como fiadora a mãe da devedora, e quem, de fato, detinha patrimônio e condições financeiras de pagar por eventual inadimplência da filha.

Pois bem, o credor ingressou com uma ação de cobrança no Juizado Especial sem o intermédio e assessoria de advogados. Na audiência de conciliação compareceu apenas a devedora, a qual apresentou uma proposta de acordo de parcelar o crédito devido. Inocente dos melindres da lei, o credor aceitou, fixando multa por atraso e vencimento antecipado das parcelas.

A devedora não pagou sequer a primeira parcela, de modo que o credor executou o acordo firmado, pedindo, inclusive, bloqueio e penhora de valores e bens do fiador. Quando descobriu, por meio da negativa do juiz em atender seu pedido, que o fiador não mais tinha qualquer compromisso com aquele contrato.

É que ao firmar o acordo em juízo, ocorreu a chamada Novação, instituto previsto nos artigos 360 a 367 do Código Civil. E neste caso, o acordo firmado passou a substituir o título de crédito anterior, ou seja, o contrato de aluguel. Assim, a ata contendo o acordo passou a ser o novo título de crédito, do qual o fiador não participou.

O artigo 366 do Código Civil é claro ao afirmar que, “importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal.” Portanto, ausente o fiador naquele momento, foi ele exonerado, fazendo com que o credor perdesse essa importante garantia e, conseqüentemente, vendo frustrada e arquivada sua execução já que a devedora não tinha nenhum bem ou valor em seu nome.

Por menor que seja o valor de sua demanda, não busque o judiciário ou soluções administrativas sem a assessoria de um profissional.

sábado, 16 de novembro de 2013

A Insegurança Jurídica do Recurso contra Decisões Proferidas em Audiência.

A Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, alterou algumas disposições no Código de Processo Civil, dando novo cabimento ao recurso de agravo, além de outras disposições.

Dentre as alterações contidas no texto desta lei, está o §3º do artigo 523 do CPC, que passou a contar com nova redação, determinando que em face de decisões proferidas em sede de audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma oral e retida, devendo ser interposto imediatamente, expondo-se as razões do agravante de forma sucinta, in verbis:

§ 3o Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante.(Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

Pois bem, tal alteração, modificando a redação anteriormente dada ao parágrafo pela Lei nº 9.139/95, deu-se no seio da ampla reforma legislativa, denominada “Reforma do Judiciário”, com vistas à implementação de soluções legais para dar maior celeridade aos processos judiciais, questão inclusive ressaltada na exposição de motivos da lei, assinada pelo então Ministro da Justiça, o advogado Márcio Thomas Bastos.

Desta feita, das decisões interlocutórias proferidas em sede de audiência de instrução e julgamento, caberá agravo na forma retida, oral e imediatamente após à decisão interlocutória (como, por exemplo, o indeferimento na oitiva de determinada testemunha, ou a oitiva de determinada pessoa como informante e não testemunha), expondo o advogado de maneira breve as razões de seu inconformismo, cabendo, da mesma forma, ao agravado, apresentar contrarrazões, também oral e imediatamente após, em respeito ao princípio da isonomia.

Ocorre que, apesar da literalidade da lei admitir o recurso oral e imediato de decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento, há muita divergência na doutrina processualística brasileira acerca do cabimento do mesmo recurso na hipótese de audiência preliminar, regida pelo artigo 331 do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 331 caput do CPC que em determinadas hipóteses o juiz poderá designar audiência preliminar, intentando a busca abreviada da solução do litígio, através da transação. Todavia, não obtida a conciliação, disciplina o §2º daquele artigo que:

§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Portanto, não havendo a composição entre as partes durante a audiência preliminar, poderá o juiz sanear o processo, fixando os pontos controvertidos, decidindo eventuais questões processuais pendentes, bem como determinará as provas a serem produzidas, inclusive já designando data, se for o caso, para a audiência de instrução e julgamento.
Com toda esta carga decisória, é crucial que a parte possa se socorrer do recurso de agravo para impugnação de eventual decisão determinada nesta audiência (por exemplo, o indeferimento de determinada prova), a fim de resguardar direitos e evitar que a matéria possa precluir em seu desfavor.

Mas a forma de interposição do recurso de agravo é bastante controvertida, optando alguns autores por admitir como cabível o agravo retido oral e imediato, nos moldes do artigo 523, §3º, do CPC, ampliando a hipótese legal do recurso.

O consagrado processualista Nelson Nery Junior, comentando o artigo 331 do CPC, ensina que “caso o juiz decida alguma questão na audiência, será admissível o agravo retido, que deverá ser obrigatoriamente interposto e contraminutado imediata e oralmente (CPC 523 §3º - redação dada pela L 11187/05)” 1.

Além disso, explica o jurista que “embora o CPC 523 §3º se refira à audiência de instrução e julgamento, aplica-se o mesmo regime às audiências tout court realizadas no processo, como no caso da audiência preliminar [...]” 2.

Luiz Guilherme Marinoni, ao comentar o CPC, também traduz este raciocínio, assentando com brevidade que:

"Não obtida a conciliação e existindo questões processuais pendentes para análise jurisdicional, deve o juiz resolvê-las em audiência. Se dessa resolução resultar e extinção do feito, caberá o recurso de apelação. Do contrário, caberá o recurso de agravo, que deverá ser interposto de maneira oral e imediatamente (art. 523, §3º, CPC)." 3.

Na mesma trilha, o ensinamento do professor Fredie Didier Junior, consignando que “embora a lei não mencione, parece que esse regime também é aplicável no caso em que a decisão interlocutória é proferida em audiência preliminar (art. 331 do CPC), já que a ratio legis é a mesma: prestigiar a oralidade e a celeridade” 4.

Perfilhando-se na idéia de celeridade no processo, Ernani Fidélis do Santos escreve que na conciliação (referindo-se à audiência preliminar) a procedimentalidade do agravo deve se dar nos termos dos parágrafos 2º e 3º do artigo 523, porque do contrário, estar-se-ia indo contra o “próprio princípio inspirador do recuso” 5.

Vê-se, portanto, que o entendimento de elastecimento do instituto do agravo retido oral e imediato para a audiência preliminar é bem sustentada, primando aqueles que o fazem por destacar que a intenção do legislador, quando da alteração legislativa, era no sentido de implementar o método recursal em audiência de forma mais célere e informal, por isso a forma oral, buscando com isso resguardar a razoável duração do processo, garantida pelo artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

No entanto, este posicionamento é rebatido por alguns doutrinadores, que argumentam que intenção de celeridade no processo não pode se dar ao arrepio da garantia fundamental da ampla defesa, com os todos os meios e recursos a ela inerentes, também resguardada pela Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso LV.

Ademais, viria contra a mens legis, que justamente limitou a aplicação do agravo retido oral e imediato à hipótese da audiência de instrução e julgamento, pois vislumbrou o legislador que a interposição deste em audiência preliminar, quando se decidem questões processuais importantes, deveriam ser atacados por meio da forma escrita, seja na forma retida ou por instrumento, pois a limitação ao agravo oral faria com que questões que eventualmente causassem lesão grave e difícil reparação não poderiam ser conhecidas de imediato, porque permaneceriam retidos até ser apreciado pelo Tribunal por ocasião da interposição da apelação, amealhando nova violação a garantia constitucional, agora da apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV, CF).

Apoiando-se nesta vertente, tem-se a lição de Misael Montenegro Filho, qualificando que:

"[...] o agravo retido (como espécie do gênero agravo) admite as formas (de interposição) escrita e oral, a primeira destinada ao combate de decisões interlocutórias manifestadas no ambiente da audiência de tentativa de conciliação e da audiência preliminar, além de pronunciamentos escritos do magistrado, remanescendo a segunda subespécie para o ataque a decisões proferidas no curso da audiência de instrução e julgamento." 6.

Com mais profundidade, anotam Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, ao comentarem a alteração no regime do recurso de agravo trazida pela Lei nº 11.187/2005, que:

"[...] não se refere, a nova redação do art. 523, §3º, a decisões proferidas em audiência preliminar (art. 331, §2º), mas apenas a decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, razão pela qual as decisões prolatadas naquela audiência não deverão, obrigatoriamente, ser alvo de recurso oral. Assim, se o juiz, na audiência a que se refere o §2º do art. 331, indefere uma das provas pleiteadas pela parte, nada impede que esta interponha agravo retido por escrito." 7.

Arrematando o tema com clareza, interessante destacar os escritos deduzidos por Ricardo Canan et al em artigo publicado na Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar, no Paraná, quando assim ilaciona:

"A nova redação do CPC 523, § 3º, quer parecer, exclui a possibilidade de interposição oral de agravo retido em audiência preliminar ou em audiência de justificação. Em interlocutórias proferidas nestas audiências, cabe somente interposição escrita, no decêndio legal. Justifica-se a regra no fato de que audiências preliminares e de justificação são audiências rápidas. A interposição oral de agravo retido, nestes casos, somente atrasaria a seqüência da pauta de audiências. Provocaria, enfim, efeito contrário ao desejado pelo legislador, qual seja, o de tornar a prestação jurisdicional mais célere. Já a audiência de instrução e julgamento, por se tratar de audiência mais longa, eis que destinada a ouvir o depoimento pessoal das partes, as testemunhas e informantes e, eventualmente, esclarecimentos do perito, não terá seu andamento seriamente afetado, em vista da interposição oral do agravo retido. Vale dizer, a pauta de audiências não sofrerá grande atraso.

Também se justifica a ausência de previsão de obrigatoriedade de interposição de agravo retido, em relação a decisões interlocutórias proferidas em audiência preliminar, ou em audiência de justificação, em vista da finalidade destas. A audiência preliminar, além de servir como um dos momentos em que se tenta conciliar as partes, também se trata de audiência em que ocorre o saneamento do processo, com decisão acerca de preliminares e, eventualmente, sobre pedidos de concessão de liminar (em processo cautelar, ou em processo de conhecimento, via antecipação da tutela). Nestes casos, é possível – e mesmo provável – que a decisão judicial que decide o pedido liminar, se trate de decisão que, potencialmente, possa causar dano a um dos litigantes. E, havendo dano, ou mesmo risco de dano, é cabível agravo de instrumento. Da mesma forma – e com muito mais razão – em relação à audiência de justificação, uma vez que esta serve, no mais das vezes, exatamente para dar ao julgador subsídios para decidir acerca de pedido liminar, quando a prova documental, por si só, não torna a decisão possível.

Imagina-se que o legislador, ao incluir no CPC 523, § 3º, a obrigatoriedade de agravar na forma retida, apenas quando a decisão interlocutória é proferida em audiência de instrução e julgamento, preferiu evitar que o agravante – mesmo em casos de agravo de instrumento interposto contra decisão capaz de causar-lhe dano, proferida em audiência preliminar, ou em audiência de justificação – se deparasse com decisão determinando a conversão do recurso em retido." 8.

A jurisprudência, acompanhando a doutrina processualista, também diverge bastante no tema. Para melhor visualização colacionam-se os julgados a seguir, de várias Cortes de Justiça do país, que bem demonstram a controvérsia.

Entendendo pela aplicação do agravo retido e oral em audiência preliminar, o e. TJMS

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELEGADO DE POLÍCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES. AFASTADAS. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIDO. SENTENÇA ULTRA PETITA. NÃO CARACTERIZADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA MULTA CIVIL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DIMINUIÇÃO DO PRAZO. HONORÁRIOS MINISTERIAIS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. AFASTAMENTO E PERDA DO CARGO PREJUDICADOS. SUPERVENIÊNCIA DA APOSENTADORIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É possível, com base no princípio da unirrecorribilidade, decidir o juiz numa mesma ocasião a respeito do pedido de antecipação e da extinção do processo com ou sem julgamento do mérito, entretanto, contra cada uma dessas decisões, de natureza distintas, deverá ser interposto o recurso apropriado, como in casu, afastando-se eventual preclusão consumativa. Deveria o agravo retido ter sido procedido oral e imediatamente, na ocasião da audiência, nos termos do artigo 523, § 3º, do Código de Processo Civil, ainda que em audiência preliminar, mormente a finalidade da reforma processual introduzida pela Lei n. 11.187/2005, em que decidindo o magistrado oral e imediatamente, também assim o faz a parte inconformada, tudo visando agilizar os recursos e decisões proferidas em audiência. [...] (TJMS; AC-LEsp 2008.024068-4/0000-00; Dourados; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Divoncir Schreiner Maran; DJEMS 20/04/2010; Pág. 22)

Ainda, o e. TJSP e o e. TJRS:

RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão, proferida em audiência, que determinou à ré o adiantamento das despesas da prova pericial. Inadmissibilidade. Decisum que desafia agravo retido, na forma oral. Inteligência do art. 523, §3º, do CPC. Preclusão caracterizada. Recurso não conhecido. (TJSP; AI 990.09.349534-1; Ac. 4366582; São Paulo; Trigésima Oitava Câmaras de Direito Privado; Rel. Des. Maia da Rocha; Julg. 24/02/2010; DJESP 31/03/2010)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO PROFERIDA EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. CABIMENTO DE AGRAVO RETIDO CONFORME EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. Das decisões proferidas em audiência, inclusive de conciliação, cabe interposição de agravo retido, oral e imediatamente. Aplicação por analogia da atual redação do art. 523 do CPC, introduzida pela Lei 11.187/05. Precedentes. Seguimento liminarmente negado. (Agravo de Instrumento Nº 70039737119, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 23/11/2010)

Por sua vez, os e. Tribunais de Justiça do Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio de Janeiro bem observam a literalidade do dispositivo, assentando assim que o agravo retido, imediato e oral, é reservado unicamente às audiências de instrução e julgamento, mantendo-se a interposição no decêncio legal, pela forma escrita, para as decisões lançadas em audiência preliminar:

APELAÇÕES CÍVEIS E AGRAVOS RETIDOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AGRAVO RETIDO (2). RECURSO OPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NÃO RECEBEU AGRAVO RETIDO, SOB O ARGUMENTO DE QUE O MESMO DEVERIA SER FEITO DE FORMA ORAL. DESNECESSIDADE. DECISÃO PROFERIDA EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O agravo retido que combate decisão proferida em audiência de conciliação pode ser feito na forma escrita, conforme preceitua o artigo 522 do código de processo civil, sendo que a exigência para oposição de forma oral somente é aplicável quando tratar-se de audiência de instrução e julgamento. [...]. (TJPR; ApCiv 0639015-8; Londrina; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Lidia Maejima; DJPR 22/02/2010; Pág. 174)

CIVIL E PROCESSO CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. INVALIDEZ PERMANENTE. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. FAM MILITAR. PAGAMENTO PARCIAL DO PRÊMIO. COMPLEMENTAÇÃO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO, POR FALTA DE CUMPRIMENTO DE REQUISITO DO ART. 514, DO CPC. APELO MANIFESTAMENTE EM CONFRONTO COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NO TRIBUNAL. REJEIÇÃO. REITERAÇÃO DE AGRAVO RETIDO. PRESCRIÇÃO. INCAPACIDADE RELATIVA DO REQUERENTE. VALOR DA COBERTURA BÁSICA EQUIVOCADO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VALOR AFERIDO NA DATA DO INFORTÚNIO. 1. Se as razões do recurso demonstram claramente o inconformismo do apelante com os fundamentos da sentença, requerendo sua reforma pela instância revisora, cumpriu-se com o mister previsto no art. 514, do CPC, de modo que presentes estão os pressupostos de admissibilidade do apelo 2. Extrai-se da exegese do § 3º, do art. 523, do CPC que somente será interposto agravo retido oral em audiência de instrução e julgamento. Dessa forma, conhece-se e se dá provimento a recurso retido que ataca decisão que não de agravo retido interposto dentro do decêndio legal previsto no art. 522, do citado Estatuto Processual, quando ataca decisão interlocutória proferida em audiência de conciliação. [...]. (TJDF; Rec. 2006.01.1.020792-0; Ac. 371.470; Quarta Turma Cível; Rel. Des. João Batista; DJDFTE 01/09/2009; Pág. 95)

AGRAVO. DECISÃO PROFERIDA EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PROVA INCOMPATÍVEL. REVOGAÇÃO EX OFFICIO. AGRAVO NÃO PROVIDO. Agravo em face de decisão proferida em audiência de conciliação não necessita ser interposto oral e imediatamente. A assistência judiciária pode ser revogada ex officio, mediante prévia oitiva da parte interessada. [...]. (TJMG; AGIN 1.0145.08.469852-4/0011; Juiz de Fora; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Bitencourt Marcondes; Julg. 17/12/2008; DJEMG 23/01/2009)

AGRAVO INOMINADO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DA DECISÃO QUE DEIXOU DE RECEBER O AGRAVO RETIDO EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, POR NÃO SER CABÍVEL A FORMA ORAL. Alegação de violação aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Decisão monocrática de acordo com o entendimento da jurisprudência deste tribunal e dos tribunais superiores. Manutenção da decisão monocrática. Desprovimento do recurso. (TJRJ; AI 2009.002.13067; Décima Nona Câmara Cível; Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento; DORJ 05/06/2009; Pág. 211)

Concluindo este trabalho, com as devidas vênias aos entendimentos contrários, mas não parece adequada a interpretação extensiva do instituto processual do agravo retido oral e imediato.

Por certo que o legislador, ao editar a norma e nela fazer constar a regra expressa de que cabível somente em audiência de instrução e julgamento, não o fez ao acaso, por erro ou esquecimento.

O fez, efetivamente, prezando pela unidade da audiência de instrução e julgamento, oportunidade máxima de contato do juiz com as partes, testemunhas e advogados, de modo que todas as decisões ali tomadas sejam imediatamente recorridas, para reforma ou manutenção.

O discurso que se adota na defesa da extensão da utilização do agravo oral e imediato para todas as audiências sucumbe quando se observa a colisão de princípios: de um lado o princípio da celeridade processual e de outro o da ampla defesa e do contraditório.

Não figura crível que seja salutar ao processo civil brasileiro que, em prol da celeridade processual se tenha por mais vantajosa a adoção extensa do agravo oral e imediato, em prejuízo claro às próprias partes envolvidas no processo, mormente porque é nas audiências preliminares que as matérias de direito vêm a tona e são decididas (preliminares e provas), de tal maneira que o atropelo e a mitigação do recurso encerra por violar a ampla defesa e o contraditório a ser exercido plenamente na forma solene escrita, que, diga-se, é a regra do direito processual pátrio.

Como bem observou Paulo Henrique Lugon dos Santos:

"Essa nova alteração certamente provocará uma demora na duração da audiência [...] Poderá ainda haver alguns incidentes no relacionamento entre o advogado e o juiz. Se existem advogados prolixos, existem também juízes impacientes, principalmente em razão da sobrecarga de trabalho. Seria melhor, realmente, deixar a questão a ser resolvida (como era) pelo simples protocolo do agravo retido". 9.

Logo, se a defesa técnica faz parte do ordenamento jurídico e é emanada de normativo constitucional, que se preserve a boa técnica pela adoção restrita do agravo oral e imediato apenas às audiência instrutórias, até para que não haja atropelos e percalços à defesa, principalmente em se tratando de matéria de direito, tal qual aquelas que são decididas em audiências preliminares.

1. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2006. p. 525.
2. Idem, p. 525.
3. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008. p. 333.
4. CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – vol. 3. 7ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 139-140.
5. SANTOS, Ernani Fidélis Dos. Manual de direito processual civil: processo de conhecimento. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 675.
6. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 133.
7. WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2006. p. 260-261.
8. CANAN, R.; HEISS, A.; BIRCK, J.; POLZIN, V. P.; LENZ, V.; WARTH, V.; MOSSINGER, W. Lei 11.187, de 19 de Outubro de 2005 – Novamente o Agravo. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar. Umuarama. v. 11, n. 1, p. 311-337, jan./jun. 2008. Disponível em: Acesso em 08 dez 2010.
9. LUGON, Paulo Henrique Dos Santos. Recurso de agravo. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e afins. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2007. p. 322-323.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TUTELA PENAL DOS DIREITOS AUTORAIS

Segundo orienta o princípio da intervenção mínima, basilar do direito penal brasileiro, o poder incriminador do Estado deve limitar a sua atuação quando outros ramos do direito forem insuficientes para coibir a conduta socialmente inadequada.

Isso significa que o Estado deve esgotar todos os outros meios de controle social para a tutela do bem protegido, a fim de que possa encontrar respaldo à atuação do seu poder punitivo.

O direito penal deve ser a ultima ratio, assumindo feição subsidiária e fragmentária. Ou seja, deve ele se restringir a castigar as ações de significativa gravidade praticadas contra os bens jurídicos mais importantes.

No caso do art. 184 do CP, verifica-se desnecessária a incidência do tipo penal previsto para punição da conduta prevista.

A violação aos direitos autorais é um problema global que deve ser encarado sob o ponto de vista social. De certo que a reprodução e comercialização de produtos falsificados devem ser, de plano, combatidas.

No entanto, o Estado se vê longe da atuação mais coerente. Deixando a hipocrisia de lado, é fácil constatar que o próprio Estado atua numa posição que lhe permite ser apelidado de um dos maiores fomentadores da atividade tida como ilícita. Isso porque não é difícil encontrar diversos lugares onde artigos pirateados e contrabandeados são comercializados sem o menor pudor. Tal fato se tornou aceitável pela esmagadora parcela da população, consumidora assídua dos produtos, e o que é pior, deixou de ser coibido pelo próprio Estado. Diversos são os shoppings populares, autorizados pelo Estado, para comercialização de artigos ditos “populares”, mas que, na verdade, são uma grande feira de pirataria. Tudo o que se vende são materiais falsificados, sem notas fiscais. Para ser mais explícito, basta olhar, por exemplo, ao redor do fórum da cidade de Uberlândia e verificar-se-á diversos “camelódromos” nos quais são vendidos materiais pirateados.

Inclusive, a discussão acerca da ilegalidade da pirataria vêm sendo encarada sob outro ângulo. Segundo artigo publicado na Folha de São Paulo em 30/07/2006, de autoria do mestre Joaquim Falcão, membro do Conselho Nacional de Justiça, o problema da violação dos direitos autorais é uma questão econômica, muito mais do que uma necessidade de implementação legal.

O referido mestre aponta a incapacidade das empresas produzirem produtos compatíveis com o nível de renda do consumidor brasileiro, dentro da política financeira e tributária, como principal conseqüência da ilegalidade:

“(...) em vez de campanhas publicitárias milionárias, ações policiais e judiciais e da permanente intimidação moral do consumidor, as empresas deveriam investir para reduzir custos, aumentar a eficiência e adaptar seus modelos de produção à realidade dos países emergentes. O exemplo do computador legal é, pois, significativo. Há no fim do túnel uma saída mais inteligente do que a repressão legal e a intoxicação publicitária (...)”

Destarte, como punir penalmente o acusado, vendedor ambulante de CD’s falsificados, se os outros meios de repressão ainda não estão sendo utilizados com veemência? Não seria suficiente a contumaz atuação da Receita Federal e dos demais órgãos de fiscalização existentes?

Adequando-se a conduta do acusado aos referidos fatos sociais, é inadmissível a aplicação da sanção prevista no tipo penal. Ora, o mínimo de dois anos de reclusão, taxativo ao crime de violação de direitos autorais, é pena demasiadamente exagerada para o caso apurado na denúncia, mormente porque existem outros meios de eficaz combate à falsificação, tais como, apreensão das mercadorias e multa administrativa. 

O tipo penal ali previsto, deve incidir sobre os verdadeiros responsáveis pela reprodução e distribuição dos produtos pirateados, que almejam lucro imensurável e quase sempre são comandados por organizações criminosas.

O princípio da adequação social vem ganhando aceitação entre os doutrinadores penais, entre eles, Cezar Roberto Bitencourt, que nos ensina o verdadeiro objetivo da norma penal:

“o tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo tempo, uma valoração (típico já é penalmente relevante). Contudo, também é verdade, certos comportamentos, em si mesmos típicos, carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois, muitas vezes, há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado.” (BITENCOUR, César Roberto. Tratado de Direito Penal, 8ª ed, Saraiva, 2003, p. 222)

Portanto, a tipicidade penal exige uma ofensa relevante aos bens jurídicos penalmente protegidos para que possa caracterizar suficientemente o injusto penal. É necessária uma análise do verdadeiro alcance proibitivo e uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a penalidade a ser imposta.

Por essa razão, o fato praticado pelo acusado deve ser coibido por outros meios de atuação do órgão estatal, mormente porque os seus antecedentes criminais não indicam outras condutas desabonadoras a merecer privação de sua liberdade de locomoção.

Em geral os acusados são pessoas simples ganhando a vida como camelôs ambulantes, talvez não por opção, mas porque o mundo do subemprego é a única coisa que ainda resta para se ganhar a vida.

Enfim, por não encontrar conduta penalmente relevante, em razão da existência de outros meios eficazes de coibição e punição, imprescindível se torna o afastamento da incidência da conduta típica descrita no art. 184, § 2º do CP.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre a concessão de pensão temporária previdenciária por morte aos maiores de 21 anos.

O Art. 16, inciso I da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, considerou a idade de 21 anos como limite à qualidade de beneficiário da pensão previdenciária temporária em razão de morte.

Entretanto, muito se tem debatido sobre a possibilidade de se estender tal benefício até a idade de 24 anos para aqueles que estejam matriculados em cursos universitários. Todavia, embora esses estudantes sejam ainda considerados como dependentes nas declarações de imposto de renda, bem como na maioria dos planos de saúde, há uma resistência do judiciário e, principalmente da esfera administrativa previdenciária em não considerar o estudante nessa faixa etária como dependente da referida pensão.

Posto isso, proponho expor a seguir um pequeno estudo realizado no sentido de defender que é legítimo e legal a concessão daquela pensão até a idade de 24 anos ao estudante universitário, ou quando o mesmo concluir o curso em que está matriculado.

Veja-se.

A Constituição Federal de 1988, fiel aos princípios que nortearam sua elaboração, outorga ao povo brasileiro uma enorme gama de direitos e garantias, objetivando o quanto possível o acesso de todos aos programas, serviços e benefícios fornecidos pelo Poder Público, sempre tendo em mente que a finalidade primeira e maior de toda atividade governamental é o bem estar geral.

Ao versar acerca dos direitos sociais, o art. 6o, caput, da Constituição Federal estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

O Código Civil de 1916 estabelecia que, aos 21 anos completos, acabava a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil (art. 9º).

Em conformidade com essa regra, o Art. 16, inciso I da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, considerou a idade de 21 anos como limite à qualidade de beneficiário da pensão temporária.

O Novo Código Civil reduziu para 18 anos completos a idade em que cessa a menoridade, ficando a pessoa habilitada para todos os atos da vida civil (art. 5º, caput).

Muito embora aos 18 anos o indivíduo esteja apto a exercer os atos da vida civil, para fins previdenciários a relação de dependência merece tratamento diferenciado em relação ao filho e à pessoa a ele equiparada ou ao irmão, universitário ou que estiver cursando a escola técnica de 2º grau até 24 anos.

Isso porque, o jovem no período dos 18 aos 24 anos, deve dar prioridade à sua formação intelectual para poder melhor enfrentar o mercado de trabalho. Se por infelicidade, nesta fase da vida, vier a perder a pessoa responsável pela sua manutenção, certamente terá que abandonar os estudos e procurar meios para o próprio sustento.

O juiz, ao emitir decisão nesses casos, deverá levar em conta a situação do estudante, para mantê-lo na condição de dependente para fins previdenciários até os 24 anos, como incentivo à educação. Poderá também estabelecer que seja a idade ou o término do curso universitário, aquele que ocorrer primeiro.

A Constituição da República ao estatuir em seu art. 201, V, que a pensão por morte será paga aos dependentes do segurado falecido evidencia o nítido caráter alimentar do benefício, haja vista que ao determinar que este será pago àqueles que dependiam economicamente do segurado morto está a estabelecer que sua finalidade é suprir a contribuição econômica que o finado prestava à família, possibilitando que esta, em razão da contribuição econômica recebida da previdência social, permaneça estruturada. De tal modo que a lei ao estabelecer o rol de dependentes para tal efeito deverá obrigatoriamente observar o parâmetro traçado pela Carta Magna, contemplando todos aqueles que sejam substancialmente dependentes do segurado falecido.

As disposições legais que fixam como termo final do benefício de pensão por morte o alcance da idade de 21 anos ou da maioridade civil, independentemente da aferição de outros fatores relevantes que possam evidenciar a continuidade do estado de dependência padecem de flagrante inconstitucionalidade, uma vez que desvirtuam a natureza e finalidade do instituto constitucional, violando o disposto no art. 201, V, da Carta Política.

Não bastasse a ofensa ao comando do art. 201, V, da Carta Política, a aplicação literal de tais dispositivos legais, viola materialmente ainda o disposto no art. 205 da Constituição da República que estatui que a educação é direito de todos e deverá ser promovida e incentivada pelo Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Ao excluir o maior de 21 (vinte e um) e menor de 24 (vinte e quatro) anos de idade, que se encontre cursando universidade, do rol de dependentes, tolhendo-lhe o direito a percepção do benefício de pensão por morte, o Estado estaria a promover justamente o oposto do determinado pelo comando Constitucional, impedindo o pleno desenvolvimento da pessoa e sua qualificação para o trabalho através da educação, quando, a teor do que disciplina a Carta Magna, deveria promover e incentivar a formação educacional dos cidadãos, já que no mais das vezes o indivíduo hipossuficiente não terá condições materiais de concluir seus estudos quando privado da contribuição previdenciária a que faz jus, sendo compelido a ingressar prematuramente no mercado de trabalho para que possa prover suas necessidades inadiáveis, com inevitável prejuízo à sua formação acadêmica.

A aplicação ou interpretação literal das normas que estabelecem a maioridade civil como limite para percepção do benefício de pensão por morte redunda em legitimar ofensa à Constituição da República. Em tal hipótese há flagrante e incontestável violação aos primados da isonomia e da razoabilidade, uma vez que estaríamos a legitimar um estado de fato onde a Requerente, universitária e maior de 21 anos, deixaria de ser considerada como dependente o que se afigura absurdo e absolutamente irracional. Como se sabe, com o falecimento de sua guardiã, ocorreu o agravamento da dependência antes verificada.

Ademais, como já acima salientado, o novo Código Civil reduziu a maioridade civil para 18 anos de idade, de modo que caso não nos divorciemos do entendimento defendido e aplicado pelos gestores da Previdência Social estaremos caminhando para consolidação do entendimento de que a pensão por morte recebida pelo filho (ou equiparado) do segurado falecido terá de fato por termo o alcance da maioridade civil. Dessa forma, estaremos excluindo injustamente grande parte da população do sistema de proteção social, condenado nossos filhos ao abandono e indiferença estatal, em afronta ao disposto no art. 3º, I, da Constituição da República, isso porque quase nenhum jovem de 18 anos de idade terá condição psíquica e material para sobreviver e inserir-se de forma condigna no mercado de trabalho e em nossa sociedade, senão mediante a atuação protetiva e solidária do Estado e da Sociedade, mediante sua inclusão no regime de previdência social, como, aliás, quis o nosso Constituinte.

É em face da urgência e robustez de tal raciocínio que nossos Tribunais vêm abandonando a arcaica posição de aplicabilidade do disposto no art. 16, inciso I da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 e de outras leis correlatas, sendo hoje firmemente amparado pela jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais entendimento idêntico ao aqui esposado, assentando que o os filhos, ou enteados, bem como o menor sob guarda ou tutela, até 24 (vinte e quatro) anos, não perdem a condição de dependente, e assim o direito à percepção do benefício de pensão por morte, desde que se encontre cursando universidade, tudo conforme se vê dos seguintes arestos adiante reproduzidos:

”PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO DE EX-SEGURADO. MENOR SOB GUARDA À ÉPOCA DA CONCESSÃO. BENEFICIÁRIA COM 21 (VINTE E UM) ANOS. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. VÍNCULO DE DEPENDÊNCIA. PRESUNÇÃO. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.
Hipótese na qual se busca provimento que garanta à agravada, beneficiária de pensão por morte, o não cancelamento da mesma face a chegada da maioridade e sua manutenção até os 24 (vinte e quatro) anos por ser estudante universitária;
Não dispondo a beneficiária de qualquer outro rendimento, e observando-se o caráter alimentício da pensão previdenciária, há de prevalecer o entendimento segundo o qual a mesma seria mantida enquanto presumida a subsistência do vínculo de dependência até a conclusão dos estudos universitários da dependente.
Agravo improvido.”
(TRF da 5ª Região, 2ª Turma, AG 27873-CE, nº de origem 200005000053092, DJ data 22.06.2001, p. 213, Relator Desembargador Federal Petrúcio Ferreira)

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. EXTENSÃO ATÉ 24 (VINTE E QUATRO) ANOS. POSSIBILIDADE.
Hipótese onde se busca provimento judicial que garanta ao agravante, filho de servidor público federal, ora falecido, do qual era dependente, a manutenção de benefício até os 24 (vinte e quatro) anos;
Sendo o agravante estudante universitário e presumindo-se que até a conclusão de sua formação profissional encontrar-se-ia sob a dependência do de cujus, é de garantir-lhe a percepção do benefício até a idade de 24 (vinte e quatro) anos;
Agravo de instrumento provido.”
(TRF da 5ª Região, 2ª Turma, AG 30092-PB, nº de origem 200005000248565, DJ data 22.06.2001, p. 219, Relator Desembargador Federal Petrúcio Ferreira)

“PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR DE IDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CARÁTER ALIMENTAR.
I – Filho de segurado da previdência social faz jus à pensão por morte até os vinte e quatro anos de idade, desde que comprovado o seu ingresso em universidade à época em que completou a maioridade e a dependência econômica, a fim de assegurar a verdadeira finalidade alimentar do benefício, a qual engloba a garantia à educação.II – Devido à natureza alimentar, não há argumento que justifique conferir à pensão por morte uma aplicação diversa da que é atribuída aos alimentos advindos da relação de parentesco, regulada pelo Direito Civil, sendo certo que nesta seara vigora o entendimento segundo o qual o alimentando faz jus a permanecer nesta condição até os 24 (vinte e quatro) anos de idade se estiver cursando faculdade.III – É preciso considerar o caráter assecuratório do beneficio, para o qual o segurado contribuiu durante toda a sua vida com vistas a garantir, no caso de seu falecimento, o sustento e o pleno desenvolvimento profissional de seus descendentes que, se vivo fosse, manteria com o resultado de seu trabalho, por meio do salário ou da correspondente pensão.IV – Recurso provido”.
(TRF da 2ª Região, AC n.º 197.037-RJ, Relator Juiz André Fontes, Sexta Turma, unânime, julgado em 26.06.2002, DJ de 21.03.2003)

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE. ESTUDANTE. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. A pensão por morte pode ser prorrogada até o beneficiário completar integralmente 24 anos de idade se estiver cursando ensino superior, porquanto não se mostra razoável interromper o seu desenvolvimento pessoal e a sua qualificação profissional. Precedente da 6ª Turma desta Corte.2. Hipótese em que o pagamento do benefício deverá ser mantido somente enquanto a pensionista estiver freqüentando o curso, bem como deverá cessar quando ela completar integralmente 24 anos de idade, ou seja, até o dia anterior à data em que completar 25 anos”.
(TRF da 4ª Região, Agravo de Instrumento n.º 200404010037750-RS, Relator Juiz Álvaro Eduardo Junqueira, Quinta Turma, unânime, julgado em 25.05.2004, DJ de 07.07.2004)

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PENSÃO. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. MAIORIDADE. DIREITO.
1. Tendo como norte o direito à educação, dever do Estado e da família, deve ser resguardada a percepção de pensão, ainda que o seu beneficiário tenha atingido a maioridade, até que ele complete 24 (vinte e quatro) anos, no intuito de possibilitar o custeio dos seus estudos universitários.2. Precedentes do Eg. STJ.3. Apelação provida”.
(TRIBUNAL – QUINTA REGIAO, AMS – 88065/RN, Quarta Turma, Decisão: 16/11/2004, DJ – Data::07/03/2005 – Página:642 – nº 44, Desembargador Federal Edílson Nobre)

E Não é o outro o posicionamento dos Tribunais Superiores ao apreciar matéria similar :

“Responsabilidade Civil. Pensão devida a filho menor, em caso de morte do pai ( dano material ). Termo final. Finda aos 25 (vinte e cinco) de idade do beneficiário, segundo o voto do Relator (vencido), e aos 24 (vinte e quatro) anos de idade, segundo o voto da maioria, a obrigação de pensionar. Presume-se que em tal idade terá ele completado a sua formação escolar, inclusive universitária. 2º Recurso Especial conhecido pelo dissídio e provido em parte. (…omissis…)” (STJ – REsp nº 94.538-RO, Relator : Ministro Nilson Naves).

“ Responsabilidade Civil. Morte. Pensão devida aos filhos – Limite de idade. Tratando-se de ressarcimento de dano material, a pensão será devida enquanto razoável admitir-se, segundo o que comumente acontece, subsistisse vínculo de dependência. Fixação do limite em vinte e quatro anos de idade quando, presumivelmente, os beneficiários da pensão já poderão ter completado sua formação, inclusive curso superior.” ( STJ – REsp 61.001-RJ, Rel.: Ministro Eduardo Ribeiro, in DJU 24/04/95)

“ Direito Civil – Responsabilidade Civil – Indenização – Morte do pai – Pensão devida ao filho – Termo final.
I – Tratando-se de ressarcimento de dano material, a pensão será devida enquanto razoável admitir-se, segundo o que comumente acontece, subsistisse vínculo de dependência. Fixação do limite em vinte e quatro anos de idade quando, presumivelmente, os beneficiários da pensão terão concluído sua formação, inclusive, em curso universitário.Precedentes do STJ.
II – Recurso conhecido e provido.” (STJ – REsp 56.705-RJ, Rel.: Ministro Waldemar Zveiter, in DJU 02/12/96).

“Civil. Ação de Indenização. Morte decorrente de acidente de trânsito. Seguro obrigatório. Dedução do valor da indenização. Morte do Pai. Pensão devida ao filho. Termo final. I – A verba recebida pelos autores da indenizatória, a título de seguro obrigatório, deve ser deduzida do montante da indenização. Precedentes. II – Tratando-se de ressarcimento de dano material, a pensão pela morte do pai será devida até o limite de vinte e quatro anos de idade quando, presumivelmente, os beneficiários da pensão terão concluído sua formação, inclusive em curso universitário, não mais subsistindo vínculo de dependência. III – Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ – REsp 106.396 – PR, Rel.: Ministro Cesar Asfor Rocha, in DJU 14/06/99).

Restam ainda as decisões proferidas pelos juízes de primeiro grau que vêm se mostrando favoráveis a concessão da manutenção da pensão por morte. Nesse passo, vale aqui transcrever a decisão da MM Juíza Federal Dra. Lidiane Vieira Bomfim Pinheiro de Menezes, na Ação Ordinária de Concessão de Pensão com Pedido de Antecipação de Tutela proposta em face da Fundação Nacional de Saúde (Processo nº 2005.85.00.1945-0, em tramitação na 1ª Vara Federal de Sergipe):

“Ante o exposto, presentes os pressupostos legais autorizadores da tutela de urgência, pleiteada nos termos do art. 273 do CPC DEFIRO o pedido de tutela antecipada que faz jus o Autor devendo o referido benefício adotar como termo fatal o atingimento pelo Requerente da idade 24 (vinte e quatro) anos ou a conclusão do curso universitário em que se encontra matriculado, aquele que ocorrer primeiro.”

Não se pode deixar de transcrever a brilhante decisão do Desembargador José Maria Lucena, Relator do Agravo de Instrumento, com efeito suspensivo, proposto contra decisão denegatória de antecipação de tutela da lavra do MM Juiz Federal Vladimir Souza Carvalho, da 2.ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, exarada nos autos da Ação Ordinária n.º 2006.85.00.001493-5:

“DECIDO. Evoluindo meu entendimento quanto à matéria por força de recente julgado na v. Primeira Turma, julgo que há de ser concedido o efeito suspensivo pleiteado. De fato, entendo como desarrazoado o tratamento diferenciado outorgado ao jurisdicionado que usufrui a pensão estabelecida no art. 217 do Regime Jurídico Único, apenas até os 21 anos, e aquele beneficiado por alimentos, nos termos do Código Civil Brasileiro, em que impera o entendimento de considerá-los devidos até os 24 anos.Ora, obviamente na espécie há de prevalecer este último e mais elástico marco temporal para ambos os benefícios “assistenciais”, lato sensu, vez que teleologicamente busca o legislador ordinário garantir ao tutelado economicamente hipossuficiente condições mínimas para “viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (art. 1.694 do novel Código Civil de 2002).Assim deve ser, com efeito, pois é de todos consabido, e estatisticamente comprovado, que a obtenção da graduação em curso universitário aumenta em muito as possibilidades de o cidadão alcançar sua própria subsistência no sistema capitalista em que vivemos.Em suma, considero a limitação imposta pelo art. 217 da Lei n.º 8.112/90 de feição antiisonômica, porquanto fundada em discrímen juridicamente inaceitável.(…) Por tais fundamentos, recebo o agravo em seus ambos efeitos para determinar a manutenção da pensão por morte em favor da agravante até os 24 anos de idade.Oficie-se, com urgência, inclusive via fax, ao Juiz de primeiro grau quanto ao teor do presente decisório.Concomitantemente, intime-se a parte recorrida, concedendo-lhe idêntico prazo para a apresentação da contraminuta (CPC, art. 527, inciso V).Intime-se. Publique-se.Recife, 18 de maio de 2006. JOSÉ MARIA LUCENA, Relator”.

Deve-se ainda registrar que em casos análogos, os tribunais vêm decidindo reiteradamente pela concessão da tutela antecipada, valendo transcrever os seguintes precedentes:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO ESTATUTÁRIA. FILHA MAIOR. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. CONDIÇÃO DE DEPENDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 9.250/95. TUTELA ANTECIPATÓRIA. É de se entender presentes os requisitos legais à concessão da tutela antecipatória para se manter o pagamento de pensão por morte à filha maior até os 24 anos quando estudante universitária, posto que ainda não cessada a condição de dependência. Agravo regimental prejudicado. Agravo de instrumento provido”. (TRF 5ª Região. AG 49617/PE. Rel. Manoel Erhardt. DJ 06.04.2004, p. 622).

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESTUDANTE. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. 1. A pensão por morte pode ser prorrogada até o beneficiário completar 24 anos de idade se estiver cursando ensino superior, porquanto não se mostra razoável interromper o seu desenvolvimento pessoal e a sua qualificação profissional. Precedente da Turma. 2. Hipótese em que o pagamento do benefício deverá ser mantido somente enquanto a pensionista estiver freqüentando o curso, cessando-o quando completar 24 anos de idade. 3. Deferida a antecipação da tutela. 4. Agravo de instrumento provido”. (TRF 4ª Região. AG 200404010148844/SC. Rel. Nylson Paim de Abreu. DJ 22.09.2004, p. 587)

Desse modo, amparado pelas razões aqui expostas, em face do que dispõem os arts. 201, V, e 205 da Carta Magna, torna-se impositiva a conclusão de que aos dispositivos legais que fixam o limite de 21 anos como termo final da condição de dependente, para efeito de percepção do benefício de pensão por morte, deve ser emprestada interpretação em conformidade com a Constituição Federal, de modo a se entender que o alcance de referida idade somente será causa para a extinção da qualidade de dependente do cidadão se este não se encontrar cursando universidade ou escola técnica de 2º grau, hipótese em que a manutenção da qualidade de dependente e do direito à percepção do correspondente benefício de pensão por morte, por força dos dispositivos constitucionais ventilados, serão prorrogados até o término de sua formação acadêmica ou o alcance da idade limite de 24 (vinte e quatro) anos, quando se presume ter adquirido condições de manter o próprio sustento.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Norma Jurídica e Texto de Lei - Aspectos Práticos de uma Taxonomia

I . Introdução

Muitas propostas cognoscentes, ignoram ou desconhecem uma distinção entre Lei e Norma Jurídica, interpretando até mesmo que o texto da lei é a norma jurídica. Ledo engano.

Outro grande engano e, certamente o mais negativo deles, é o pensamento, por parte de tais propostas e de muitos profissionais do meio jurídico, de que realizar estudos voltados para esta taxonomia, definindo o que é uma e outra é um trabalho que não tem nenhuma aplicação prática, sendo simplesmente uma filosofia estéril para aplicação do Direito.

Isto também não é verdade.

Portanto, com o intuito de sanar tais posicionamentos equivocados, este estudo possui dois objetivos:

O primeiro será explicitar o que é a norma jurídica diferenciando-a de texto de lei, um assunto que interessará àqueles que amam o saber jurídico e filosófico no seu mais profundo sentido epistemológico.

O segundo, e mais importante, será demonstrar no tópico III que, existe uma aplicação prática de grande importância para tal conhecimento. Tão importante que pode alterar totalmente a hermenêutica do Direito Positivo em determinados momentos e que nós nem sempre estamos atentos a isso.Por fim será uma pequena oportunidade de demonstrar a importância deste tipo de abordagem àqueles que, infelizmente, insistem em mediocrizar o Direito e torná-lo destituído de um sentido epistemológico.

Urge por fim, para maior compreensão e aprofundamento do assunto sugerir a leitura, das partes que trabalham com o tema, nos seguintes livros: Direito Tributário, Linguagem e Método, de Paulo de Barros Carvalho; Curso de Direito Tributário, também de Paulo de Barros Carvalho; Escritos Jurídicos e Filosóficos de Lourival Vilanova; Norma Jurídica Tributária de Marco Aurélio Greco; e Teoria Geral das Normas de Hans Kelsen.
II . O que é Norma Jurídica?
Norma Jurídica não é texto da Lei.
O texto de Lei nada mais é do que signos escritos, os quais formam proposições com enunciados prescritivos. O texto de lei serve apenas de suporte físico para a existência destas proposições e, posteriormente, para a norma jurídica.
Uma proposição, no sentido semiótico do termo, é a construção lógica dentro de uma asserção que denota as condições de entendimento desta asserção.
Em outras palavras, a proposição é a expressão verbal lógica extraída de um texto.
A semiótica explica a proposição como sendo o extrato inteligível da experiência física dos significados dos signos para o plano em que se realiza a elaboração intelectual e que confere à estruturação sintática de uma oração o contexto pessoal necessário.
Neste sentido, a proposição no texto de lei, é a estrutura lógica que dá sentido ao enunciado prescritivo contido na lei. A proposição é, portanto, aquilo que dá significado para um enunciado, seja ele descritivo ou prescritivo.
Veja o seguinte exemplo esclarecedor: “É proibido fumar”. Sem dúvida, um enunciado prescritivo de conduta. A proposição nesta frase se encontra na significação percebida pelo leitor. Se estivesse escrito “é fumar” ou “proibido” ou ainda “e p f” não haveria proposição, pois não há inteligibilidade a ser extraída, seriam apenas palavras e signos que, embora tenham um significado, não formam qualquer estrutura lógica para o plano intelectual. Ou seja, têm significado, mas não têm significação.
Compreendido o que é um texto e uma proposição, passa-se à Norma Jurídica.
A Norma Jurídica tem familiaridade com a proposição, pois ambas estão no plano do inteligível, do subjetivo, e esta análise partirá do seguinte conceito:
Norma Jurídica deve ser entendida como a significação completa obtida a partir da leitura conjugada ou dissociada dos textos do Direito Positivo (Lei, Decretos, decisões judiciais, etc.), e que possui como elementos essenciais um antecedente e um conseqüente normativo. A norma é, portanto, uma estrutura lógico-sintática de significação que conceitua fatos e condutas. Conforme bem leciona Paulo de Barros Carvalho :
“(...) A norma jurídica é exatamente o juízo ou o pensamento que a leitura do texto provoca em nosso espírito.”
Entretanto, diferente da simples proposição e também da norma no sentido amplo da palavra, a norma jurídica exige antecedentes e conseqüentes.
Usando o exemplo anterior, “É proibido Fumar”:A frase, como observado anteriormente, é uma proposição, pois o leitor extrai a significação de que não é permitido que se fume.
Contudo, tal prescrição só será Norma Jurídica se conjugada a outro texto prescritivo ou ato normativo existente dentro do sistema de Direito Positivo que estabeleça conseqüências para a infração à conduta prescrita. Caso contrário, a Norma Jurídica será deficiente.
Observe, portanto, que a diferença entre a proposição e a Norma Jurídica é a existência de antecedentes e conseqüentes na sua formação inteligível.
Tomando novamente o exemplo, “é proibido fumar”, se isto é uma proposição solta e dispersa de conseqüências, não será mais do que um enunciado prescritivo, ou seja, será apenas uma forma usada na função pragmática de prescrever condutas e, assim, não será Norma Jurídica, pois estas exigem significações construídas a partir dos textos estruturados consoante uma forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas.
Veja o ensinamento de Ricardo Guastini para buscar mais clareza:
"Un documento normativo (una fonti del diritto) è un aggregato di enunciati del discorso prescritivo."
E o quadro seguinte para maior esclarecimento:
É claro que, se a norma de que estamos tratando é de ordem jurídica, a interpretação normativa para fins de aplicação prática dos enunciados prescritivos é restrita e monopolizada pelo Estado, principalmente pelo Poder Judiciário.

Assim ensina a lição tirada do Vocabulaire Juridique de Gérard Cornu:

"La norme juridique émane d'une autorité investie d'un pouvoir pour qui elle est exécutoire et est susceptible d'être contrôlée."

Isso quer dizer que, embora possa haver divergências doutrinárias entre estudiosos do Direito Positivo, só a instituição devidamente autorizada poderá impor qual das interpretações deverá prevalecer.

Exemplo disso é o que ocorreu no caso da discussão acerca do FGTS, por exemplo, na qual se tentava estabelecer se ele seria ou um Tributo, discussão que, diga-se de passagem, tem sido das mais controvertidas. Neste caso, só o STF por meio de seu julgamento poderia emitir a um parecer normativo, uma Norma Jurídica, definindo se o mesmo é ou não um Tributo, o que, inclusive, já fez por meio do Recurso Extraordinário 100.249 no qual foi decidido que o FGTS não tem natureza tributária.

Ante o exposto, pode-se concluir que a Lei nada mais é do que um veículo introdutor de Normas Jurídicas, na qual a Norma Jurídica é que passará a integrar o sistema de Direito Positivo, pois que, é ela a essência, enquanto a Lei é mero suporte físico para sua existência.

Tanto isso é verdade que, além da Lei, existem outros meios de inserção de Normas Jurídicas, ou veículos introdutores de Normas Jurídicas, tais como as decisões judiciais que produzem Normas Jurídicas do tipo Individual e Concreta.

Todavia, tal assunto não merecerá aqui a devida consideração porque demandaria a realização de uma subclassificação das Normas Jurídicas, qual seja, a taxonomia das normas Gerais e Abstratas e das Individuais e Concretas, as quais demandam um estudo próprio em outra oportunidade. O importante aqui será demonstrar que, embora tudo isso possa parecer filosofia desnecessária e estéril para a aplicação do Direito no dia-a-dia forense, é, ao contrário, de extrema importância para tal exercício, conforme será demonstrado a seguir.

III. Aplicação Prática da Teoria da Norma Jurídica.

Importantes construções interpretativas do Direito têm como ponto de partida a Norma Jurídica, o que torna difícil entender o pouco relevo que algumas propostas cognoscentes lhe atribuem.

Para demonstrar a importância do entendimento quanto à teoria da Norma Jurídica cujo tópico anterior tentou explicar, seguem-se aqui alguns exemplos de onde se aplica tal teoria na forma prática, ou seja, a comprovação final de que o texto de Lei não é em si a Norma Jurídica e de que é de suma importância saber disso, pois existem até mesmo Leis com Normas Jurídicas incompletas e deficientes que, uma vez não observadas no momento da sua aplicação, perdem completamente sua eficácia.

No primeiro exemplo, observe a seguinte lei fictícia:
Prefeitura Municipal de Estagira, Lei Municipal 001 de 10/01/2009
Art. 1º Esta taxa de controle de obras tem como fato gerador a prestação de serviço de conservação de imóveis, por empresa ou profissional autônomo, no território municipal.Art. 2º A base de cálculo dessa taxa é o preço do serviço prestado.§1º - A alíquota é de 3%.§2º - O valor da taxa será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes ao valor dos materiais utilizados na prestação do serviço.Art. 3º Contribuinte é o prestador de serviço.Art. 4º Dá-se a incidência dessa taxa no momento da conclusão efetiva do serviço, devendo, desde logo, ser devidamente destacado o valor na respectiva “NOTA FISCAL DE SERVIÇOS” pelo prestador de serviço.Art. 5º A importância devida a título de taxa deve ser recolhida até o décimo dia útil do mês subseqüente, sob pena de multa de 5% sobre o valor do tributo devido.Art. 6º Diante do fato de serviço prestado sem a emissão da respectiva “NOTA FISCAL DE SERVIÇOS”, a autoridade fiscal competente fica obrigada a lavrar “Auto de Infração e Imposição de Multa”, em decorrência da não-observância dessa obrigação, no valor de 50% do valor da operação efetuada.

Pois bem, agora se pergunta ao caríssimo leitor: Quantas Normas Jurídicas há nessa lei? Qual delas afinal institui o tributo?

A Norma que institui o tributo, como observado anteriormente, não é um artigo apenas e não está necessariamente escrita explicitamente no texto de lei. Ela é o fruto de um trabalho de interpretação do texto de Lei, observando seus antecedentes e conseqüentes.
Isto porque a Norma que institui o tributo é a Regra Matriz de Incidência Tributária, que, neste caso, é a conjugação de: art. 1°; art. 2°, § 1°; art. 2° caput; art. 3° e art. 4°; conforme explicitado a seguir:
Antecedentes:
Critério material: prestação de serviço de conservação de imóveis.
Critério temporal: momento da conclusão efetiva do serviço.
Critério espacial: no território municipal.
Conseqüentes:
Critérios qualitativos: (sujeitos ativo e passivo)sujeito ativo: o município de Estagira. sujeito passivo: prestador do serviço.
Critérios quantitativos:Base de Cálculo: preço do serviço prestado, deduzido das parcelas correspondentes ao valor dos materiais utilizados na prestação do serviço. Alíquota: 3%.
Utilizando este mesmo esquema, veja como se extrai as Normas Jurídicas que estão contidas na fictícia lei que homenageia a antiga cidade onde nasceu o filósofo Aristóteles:
A primeira como já observado, é a Regra Matriz de Incidência Tributária.
A segunda concerne ao destaque do tributo na Nota fiscal, art. 4º:
Antecedente:Concluído o Serviço
Conseqüente: Deve-se destacar o valor do tributo na nota fiscal
A terceira trata da data do recolhimento do tributo. Extrai-se do Art. 4º combinado com art. 5º:
Antecedente: Executado o Serviço.
Conseqüente: Deve-se recolher o tributo até o décimo dia útil do mês subseqüente.
Há uma quarta Norma que trata da multa pelo não recolhimento. Está evidenciada no art. 5º:
Antecedente: Não recolhido o tributo na forma da lei.
Conseqüente: É devida a multa de 5% sobre o valor do tributo.
Ainda há uma quinta Norma que trata da não emissão da nota fiscal, contida no art. 6º:
Antecedente: Prestado o Serviço sem a emissão de nota fiscal.
Conseqüente: É devida a multa de 50% sobre o valor do tributo.
Por derradeiro, há uma sexta Norma que trata do dever de lavrar o auto de infração. Também contida no art. 6º:
Antecedente: Prestado o serviço sem a emissão de nota fiscal.
Consequente: Deve a autoridade fiscal lavrar o Auto de Infração.
Um outro excelente exemplo da importância prática existente por trás da Teoria da Norma jurídica e que é fundamental para o dia-a-dia forense é a questão da Declaração de Inconstitucionalidade sem Redução do Texto Legal.

Esta espécie de declaração de inconstitucionalidade é utilizada sobre Lei ou Ato Normativo cuja interpretação possa ser múltipla, e age como um mecanismo para atingir uma interpretação que seja compatível com a Constituição e assim preservar a constitucionalidade daquela Lei ou Ato.
Nas palavras de Alexandre de Moraes,

“(...) no caso de lei ou ato normativo com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.”

Ora, neste caso o que é observado é a Norma Jurídica. E o STF ou outra instância do Judiciário, órgão devidamente autorizado a emitir Normas Jurídicas, determinará qual será a interpretação (significação) que uma Lei ou Ato Normativo deverá conter.
Assim, se há uma Lei (Lei N), cujo texto é constitucional, mas que a sua aplicação está sendo feita de forma inconstitucional (aplicação de forma X), o Judiciário poderá determinar que a Lei “N” seja aplicada de forma “Y”, uma vez que a interpretação “X” é inconstitucional.

Ou seja, a lei pode ser constitucional, mas a Norma Jurídica pode ser extraída pela autoridade competente (um juiz de primeira instância ou uma autoridade administrativa, por exemplo) de forma equivocada e inconstitucional. Portanto, uma lei pode ter várias Normas Jurídicas e, em alguns casos bizarros, até Norma Jurídica incompleta ou deficiente.

Eis um caso em que a Lei possui Norma Jurídica deficiente: Observe esta estranha e curiosa decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, noticiada pela assessoria de comunicação daquele Tribunal, transcrita abaixo.

16/03/2009 - Recusa de moedas não gera indenizaçãoUma cliente do Banco Bradesco S/A teve seu pedido de indenização por danos morais negado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). V.L.B.B teria tentado pagar uma conta no valor de R$ 44,54 com uma grande quantidade de moedas de R$ 0,50.De acordo com a V.L.B.B., o banco não teria observado o artigo 9º da Lei nº 8.697/1993, que dispõe que “ninguém será obrigado a receber, em qualquer pagamento, moeda metálica em montante superior a cem vezes o valor respectivo da face”, o que não era o seu caso. A mulher alegou que houve humilhação pelo modo como foi tratada na agência.O Banco Bradesco afirmou que é procedimento normal da instituição encaminhar a pessoa que porta muitas moedas a outro setor, o que é, inclusive, de conhecimento geral.Em 1ª Instância, a ação foi julgada improcedente. Inconformada, V.L.B.B. recorreu ao TJMG, requerendo a reforma da sentença. Os desembargadores da 9ª Câmara Cível, no entanto, negaram provimento ao recurso.Para o relator do processo, desembargador Generoso Filho, para se falar em dano moral, não basta o simples desapontamento ou dissabor. Para que haja o dever de indenizar, é necessária a prova de que o fato tenha causado sofrimento, vexame e humilhação, atingindo a honra do indivíduo, algo que a apelante não conseguiu comprovar.Portanto, para os desembargadores, a conduta do funcionário ao ter recusado o recebimento do valor, mesmo que tenha causado aborrecimento à cliente, não caracteriza uma ação e o pagamento de danos morais.Acompanharam o voto do relator, os desembargadores Osmando Almeida (revisor) e Pedro Bernardes (vogal).
Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom - TJMG - Unidade Goiás
Ora, analise: Existe uma obrigação legal que impõe o recebimento de moedas até o limite previsto em lei de “cem vezes o valor respectivo da face” da moeda. Mas se alguém descumpre tal determinação legal, como ocorreu com o banco, o que se pode fazer?
Nada?

Pelo visto, estamos diante de uma lei em que a norma jurídica está incompleta!

Pense bem, se numa lanchonete você quiser pagar com moedas um pacote de bolachas no valor de 03 reais e o vendedor, cordialmente (de forma que não cause dano moral), recusar a receber, não há nada que se possa fazer! Pelo menos, se considerado o entendimento da decisão acima noticiada.
Neste caso, o Egrégio Tribunal Mineiro, no momento em que extraiu a Norma Jurídica Geral e Abstrata contida na Lei, deveria ter percebido tal deficiência nela existente e, ao emitir sua decisão (a qual também contém Norma Jurídica, porém de caráter Individual e Concreta) impor uma indenização sob caráter pedagógico, corrigindo a falha cometida pelo legislador. Entretanto, creio eu, que aquele Tribunal, assim como outros por aí, não está atento à questão da teoria da Norma Jurídica.

Isso é muito sério, pois o legislador nem sempre está atento a questões jurídicas que deveriam ser resolvidas pelos Tribunais e, por isso, a necessidade de que o Judiciário fosse mais atuante no momento em que extrai e produz normas jurídicas e realiza a hermenêutica do ordenamento, fazendo seu trabalho de Fonte de Direito que é.

Todavia, a aplicação do Direito nos tribunais tem estado estrita a uma hermenêutica baseada unicamente numa abordagem pouco epistemológica do Direito.

Infelizmente, o que se vê muitas vezes nas decisões e argumentações jurídicas é uma excelente demonstração da capacidade de ler, ato que até mesmo as crianças conseguem.

Ao contrário, o que se espera de um jurista, seja ele juiz, advogado ou representante do Ministério Público, é que tenha a capacidade de aplicar os artigos de lei submetendo-os a uma hermenêutica sistemática e harmônica com o ordenamento existente, com o sistema de Direito Positivo.

E hermenêutica superficial é, muitas vezes, o que acontece quando se está diante de um caso em que se aplica o princípio do Lex Specialis derrogat Lex Generalis.

Por este princípio costuma-se realizar, superficialmente e equivocadamente, a interpretação de que uma Lei Especial (ex: Código de Defesa do Consumidor e Lei de Execução Fiscal) que verse sobre determinado tema deva prevalecer sobre uma Lei Geral (ex: Código de Processo Civil e Código Civil) interpretação esta um tanto equivocada.

Partindo de uma hermenêutica fundamentada na teoria da Norma Jurídica, verifica-se que interpretar o princípio da Lex Specialis derrogat Lex Generalis não é apenas translada-lo do Latim para o Português como sendo Lei Especial derroga Lei Geral, assim, tão simplesmente.

Isto porque, como enfatizado no tópico anterior, a Lei é mero suporte físico da Norma Jurídica, portanto, o que se extrai do referido princípio é que Norma Jurídica Especial derroga Norma Jurídica Geral.

Assim, sempre que uma Norma Jurídica específica contida em uma Lei Geral não tenha correspondente na Lei Especial, continuará a vigorar normalmente aquela e não esta, ainda que ambas versem sobre o mesmo assunto.

Observe o exemplo para melhor compreensão: A recente reforma do Código de Processo Civil (Lei Geral) trouxe inovações no procedimento de Execução, dentre elas, a contida no artigo 739-A, a qual regula e reduz a possibilidade de concessão do efeito suspensivo nos Embargos do devedor.

Por outro lado, no caso das Execuções Fiscais, existe uma Lei Especial, a Lei 6.830/80, que regula o procedimento desta espécie de Execução, disciplinando as condições, o prazo para oferecimento dos Embargos do Devedor e o respectivo início da contagem, bem como o prazo para impugnação e as matérias vedadas e permitidas ao enfrentamento. Por esta razão, muito se tem discutido acerca da aplicação do artigo 739-A do CPC sobre os Embargos do Devedor na Execução Fiscal, posto que, sendo este procedimento regulado por Lei Especial, tais regras a respeito do efeito suspensivo trazidas pela Lei Geral (art. 739-A do CPC) não deveriam ser aplicadas à Execução Fiscal (regulada pela Lei Especial 6.830/80) por força do princípio Lex Specialis derrogat Lex Generalis.

Contudo, se realizada uma hermenêutica da Lei de Execuções Fiscais fundamentada na Teoria da Norma Jurídica, verificar-se-á que não existe nela uma Norma Jurídica que regule estritamente o efeito suspensivo nos Embargos do Devedor.

E considerando que, não a Lei Especial, mas sim a Norma Especial é que se sobrepõe à Norma Geral, é possível concluir que o artigo 739-A do Código de Processo Civil prevalecerá sobre a Lei Especial que, como visto, não tem Norma Jurídica que verse a respeito do efeito suspensivo nos Embargos do Devedor. Inclusive, tem sido este o entendimento do STJ a respeito de tal discussão. Vide o julgamento do Recurso Especial 1024128/PR.

Portanto, se considerada a Teoria da Norma Jurídica na aplicação do princípio Lex Specialis derrogat Lex Generalis,, é possível a existência de casos em que a Lei Geral prevalecerá sobre a Lei Especial. Este entendimento é partilhado por muitos adeptos da Teoria da Norma Jurídica, tais como o Juiz Paulo César Conrado, eminente professor da USP e da PUC/SP, quem tive o sincero prazer de conhecer pessoalmente, e o renomado tributarista Paulo de Barros Carvalho.

Por fim, conclui-se que o trabalho de identificar a Norma Jurídica está intrínseco ao bom desempenho do trabalho de interpretação do Sistema de Direito Positivo.

Ante o exposto, espero ter concluído o objetivo proposto, mostrando, não só as nuances científicas que envolvem a teoria da Norma Jurídica, como também sua indispensável análise no âmbito da prática forense.